A pergunta do título é uma pergunta recorrente nas sessões de psicoterapia, mas mais do que isso, é recorrente nas nossas vidas em todos os lugares. Inclusive, é uma pergunta que eu acabo me fazendo toda vez que me percebo empacada em alguma tarefa específica que precisa ser feita (quem nunca?).
Bom, eu não escrevo isso com a intenção de te dar dicas mágicas de produtividade e performance. Mas antes que você se decepcione, se fizer sentido para você continuar por aqui, posso trazer algumas reflexões interessantes sobre o tema.
A primeira coisa que me chama atenção sobre o tema é a quantidade absurda de dicas e fórmulas que encontramos, em 15 segundos de pesquisa no Google, em duas passadas no Instagram ou no TikTok. Veja bem, não digo isso com tom de crítica – se isso funciona para você, eu espero que você acompanhe conteúdos nas redes sociais que se conectem com sua história de vida. Bem, dito isso, o que me salta aos olhos na verdade é o quanto absolutamente todos os conteúdos que eu encontrei usam palavras como “vencer”, “acabar” ou “superar”, e o que eu quero propor aqui é uma coisa um pouco diferente disso. Entra nessa comigo?
A quantidade de conteúdo indica que quase todos nós, inseridos na sociedade que vivemos, temos problemas com isso. E o que isso significa? Em primeiro lugar, que não é uma dificuldade só sua – pode parecer óbvio, mas nós nos esquecemos disso – e acabamos frequentemente atribuindo razões pelas quais nós procrastinamos: às vezes culpamos o cansaço ou a falta de tempo, a dificuldade com disciplina (falo dela mais em frente), nos chamamos de preguiçosos, e por aí vai. Nós fazemos tudo, menos nos observar. Curioso, certo? Lembra que eu disse ali em cima que iria propor algo diferente? Pois é. Vamos observar o que acontece antes de eliminar a procrastinação?
Veja bem, há algo que precisamos validar: se estou fugindo de algo, ele é desconfortável para mim por algum motivo. Pode não ser tão complexo, como ser uma tarefa simples, mas trabalhosa de alguma maneira. Por aqui, essa tarefa é a emissão de Notas Fiscais que faço todos os meses: amo meu trabalho, mas naturalmente não gosto de tudo e algumas coisas burocráticas dele tomam mais do meu tempo do que gostaria. Então neste caso, eu não considero que tenho grandes questões atreladas à procrastinação além de achar chato. Sabendo disso, consigo manejar e encaixar essa tarefa de uma maneira que fique um pouco mais confortável para mim, dentro do possível.
Até aqui mais do mesmo, correto? Pois bem. Mas e quando a resposta não é tão óbvia assim? Você consegue reconhecer os seus pensamentos e sentimentos atrelados a tudo que precisa fazer? Vou te dar um exemplo: recentemente, fui convidada para um projeto profissional muito interessante, mas igualmente desafiador. Eu limpei minha casa inteira, rolei o feed do Instagram umas três vezes, brinquei com meus cachorros, mas não iniciei o que eu precisava para dar continuidade a ele. Conversando sobre isso em terapia (psicólogos também fazem terapia!), comecei e me dar conta e assumir que estava com medo. Medo de não ser capaz, medo de não conta por conta da agenda cheia, desconforto pela quantidade e complexidade de coisas que tinha que fazer, dentre outras coisas.
Frequentemente, nossa procrastinação está ligada muito mais aos pensamentos e sentimentos desconfortáveis do que está ligada à falta de disciplina.
Consigo pensar por aqui quantas vezes eu iniciei dietas pouquíssimo ajustadas ao meu paladar e minha rotina só porque supostamente é a melhor dieta segundo os especialistas; quantas vezes iniciei um exercício que (para mim) não era minimamente prazeroso, que não encaixava na minha rotina, mas que supostamente era o que mais queimava calorias em menor tempo; quantas vezes fiquei com medo de reiniciar uma atividade de física pois não me achava boa o suficiente; quantas vezes baixei cronogramas de organização que encontrava pela frente, com a esperança de que o que me faltava era saber me organizar; e quantas vezes me senti insegura em realizar algo novo, e culpei minha agenda por isso… Topa fazer esse mesmo exercício por aí? Quantas coisas você já iniciou que não deram certo?
Se nós não nos conhecemos, conhecemos nosso repertório emocional, e sobretudo nossa motivação, dificilmente faremos coisas que serão benéficas a nós em todos os sentidos. A verdade é que não há como existir disciplina sem motivação. E o que é motivação? É simplesmente o motivo pelo qual você faz algo, não aquele sentimento de empolgação. Motivo para ação. Suas ações precisam estar conectadas com você, seu repertório, seus valores e prioridades. Suas dores e barreiras também fazem parte disso. Se você está em um ambiente que não faz sentido com seus valores, ou esbarra em uma tarefa que desperta vários gatilhos que não foram cuidados, dificilmente você irá conseguir ser constante naquilo, entende? E não é por falta de autocontrole ou disciplina.
Exercício físico e alimentação saudável são premissas básicas para todo ser humano, mas sem entender o que te deixa desconfortável, quais os seus medos, quais as suas barreiras, quais pensamentos te travam, de fato eles irão se tornar muito mais um fardo pesado de carregar do que algo fundamental para seu bem-estar, te afastando do seu próprio autocuidado. E claro, ainda que tudo esteja alinhado com você e tudo mapeado, você pode sentir um pouco de dificuldade de conseguir executar com perfeição tudo que se propõe, afinal nós somos seres humanos e não robôs programados para performar.
Minha intenção não é que eliminemos todo e qualquer desconforto de nossas vidas, afinal o desconforto é inclusive importante para nossa sobrevivência e traz informações preciosas sobre nós – e justamente por isso precisamos observá-lo com cautela. Você só pode encarar algo que é difícil se você enxergar valor naquilo. Sem um porquê, o caminho pode se tornar insustentável.
Espero que tenha feito sentido para você, e que você possa olhar para sua rotina com um pouco mais de curiosidade, e com sorte, um pouco menos de julgamento.