“Quais histórias sua cabeça te contou quando tal fato aconteceu?”
Essa é uma das perguntas que eu mais faço para quem é meu cliente, e uma das mais difíceis de responder. É difícil de responder já que na maioria das vezes, nem percebemos que estamos pensando – ou pelo menos, não no momento que acontece.
Os pensamentos têm uma característica muito curiosa (e perigosa) que é a de nos levar para outro lugar: conseguimos nos lembrar do passado, ao mesmo tempo que podemos imaginar um futuro, sem o mínimo esforço, e sem precisar sair do lugar. Justamente por ser tão fácil, nem percebemos quando estamos pensando. É claro que a memória e o planejamento futuro são importantes, mas enquanto você está ruminando o que falou para seu marido em uma briga há duas semanas atrás e prevendo o que ele irá dizer quando chegar em casa, você perde o que está acontecendo aqui e agora, que é o único momento que de fato você tem o poder e a possibilidade de fazer alguma coisa a respeito.
E aqui não estou dizendo que pensar é ruim, pelo contrário. Nosso cérebro tem uma função muito importante – e útil – que é de nos proteger e de nos manter vivos. Planejar, criar cenários, fazer associações, resolver problemas, calcular e lidar com hipotético, dentre tantas habilidades, foi o que nos trouxe até aqui, e o que permite que eu escreva este texto daqui. O problema não é necessariamente o pensamento, e sim a forma com a qual nos relacionamos com ele. Explico: o pensamento pode se tornar inútil quando você percebe que a vida vai passando, e você fica preso dentro da sua cabeça.
Enquanto nós estamos emaranhados em todos os pensamentos que passam pela cabeça o dia todo, nós não sentimos o gosto das comidas que comemos, dirigimos desatentos, não percebemos que nosso colega de trabalho parece triste hoje, não conversamos intencionalmente com ninguém, e não temos curiosidade com o entorno. É como se vivêssemos em um mundo paralelo. Também não é à toa que chegamos no final do dia e tudo que queremos é ficar horas e horas no Instagram, comendo, assistindo série, ou qualquer coisa que desligue nossa mente como um passe de mágica. E até funciona por um tempo, mas logo os pensamentos retornam, não é mesmo?
Isso acontece porque é impossível parar de pensar completamente, e tentar silenciar a cabeça é o mesmo que silenciar a própria vida – nossos pensamentos não estão descolados da nossa vida. Muito provavelmente, os pensamentos mais difíceis que você tem são parecidos com os que te perseguem há muito mesmo. Da mesma maneira, se vivemos uma situação estranha, pensamentos estranhos podem vir. Um exemplo mais recente disso é a pandemia que passamos. Você se lembra quais pensamentos passavam pela sua cabeça naquela época?
Ter pensamentos difíceis não é um problema, embora seja muito desconfortável. O problema é quando enxergamos o mundo através dos nossos pensamentos e percepções; é quando não percebemos que estamos pensando e nos comportamos seguindo cegamente os pensamentos; é quando desistimos de realizar feitos importantes para que a cabeça não seja pessimista; é quando não nos relacionamos com pessoas para que memórias difíceis não voltem à tona; é quando nossa meta de vida é parar de pensar e deixamos de focar em viver.
Viver uma vida significativa envolver ter pensamentos autocríticos, apegados ao passado, excessivos, preocupados com o futuro, e assim por diante. Inclusive, quanto mais direcionamos nossa vida para lugares que são importantes para nós, mais pensamentos difíceis irão aparecer. Eu tenho certeza de que você já experimentou pensamentos muito difíceis nos seus relacionamentos mais importantes, assim como naquele projeto do trabalho mais desafiador.
Recentemente, ouvi uma frase que ecoou durante um bom tempo aqui dentro. A frase era: “a realidade é um alívio”. Embora não consiga lembrar exatamente onde a ouvi e quem a citou, consigo sentir novamente o alívio que eu senti na primeira vez ao escutá-la. A realidade não é previsível, mas frequentemente desmancha todos os castelos de areia que nossa cabeça cria. E que bom.
“Seus pensamentos eram, depois de erguidos, estátuas no jardim e ela passava pelo jardim olhando e seguindo o seu caminho”.
Clarice Lispector